Em sua primeira apresentação solo nos EUA, a artista brasileira Sallisa Rosa criou uma instalação imersiva feita de cerâmica confeccionada a partir de matérias-primas coletadas no Rio de Janeiro, onde reside. A comissão contemporânea da Audemars Piguet, Topografia da Memória (2023), evoca uma caverna em miniatura, envolvendo o espectador em um espaço meditativo. Embora a obra faça referência simbólica à ancestralidade e à identidade, seus temas não são especificamente autobiográficos. Pretende oferecer uma perspectiva mais universal sobre as ideias, permitindo que a materialidade e a fisicalidade do processo de Rosa venham à tona.

Um teste da instalação de Rosa em Miami, com cerâmicas empilhadas e suspensas, em seu estúdio Cortesia do artista e Audemars Piguet
O artista multidisciplinar nasceu em Goiás em 1986 e é formado em jornalismo e criação e produção audiovisual. Este ano participou da XXIII Bienal de Arte Paiz da Guatemala e atualmente integra a exposição Ana Mendieta: Silhueta em Fogo, Terra Abrecaminhos no SESC Pompéia em São Paulo. No ano passado, Rosa participou em diversas grandes exposições colectivas internacionais, incluindo a Summer Exhibition na Royal Academy of Arts, em Londres. Após sua exibição durante a Miami Art Week, Topografia da Memória estará em exibição na próxima primavera na Pina Contemporânea em São Paulo (16 de março a 27 de julho de 2024).
The Art Newspaper: Você desenvolveu um material único para criar esta instalação, utilizando terra proveniente da zona rural do Rio de Janeiro. Você poderia explicar seu processo?
Sallisa Rosa: É a primeira vez que faço uma instalação inteiramente em cerâmica, e é um trabalho enorme, com cerca de 100 peças. Para mim é importante saber de onde vem a terra porque há memória na terra; este material está repleto de informações. Só trabalho com argila de origem local. Colaborei com artesãos que têm um processo de trabalho muito tradicional. É um trabalho desafiador; a terra está misturada com pedras, galhos e às vezes lixo, por isso é difícil preparar a argila para a queima. É tão frágil e volátil, mas é um material totalmente vivo e sempre produz cores distintas quando misturado. Trabalho com as informações do solo e as reprogramo, programando minhas próprias memórias na peça.
Depois de Miami Beach, a instalação será exibida em São Paulo no próximo ano como parte da programação inaugural da Pina Contemporânea. Como você acha que esses sites separados afetarão a experiência dos espectadores?
Há um aspecto público em ambas as exposições porque o trabalho é imersivo, com estruturas semelhantes a estalagmites crescendo no chão e áreas ao longo da peça que funcionam como cabines de isolamento. Depois de sair da obra de arte, você estará de volta à rua ou à multidão. Ambos são espaços urbanos barulhentos, mas dentro da obra o público pode lembrar como é a terra. Embora o material seja coletado em solo brasileiro, o trabalho não é específico daquele local. É claro que há valor em apresentá-lo num contexto mais próximo de casa, mas era crucial que o trabalho viajasse para poder desafiar uma gama mais ampla de perspectivas.

Rosa cuida do fogo que vai aquecer o forno onde ela cozeu a cerâmica em Itaboraí, próximo ao Rio Cortesia do artista e Audemars Piguet
Seu trabalho frequentemente faz referência à ancestralidade indígena e ao que significa ser indígena no Brasil, às vezes por meio de manifestações mais abstratas, como instalações escultóricas. Como essas ideias influenciam sua prática?
Meu trabalho não trata de comunidades específicas ou de uma perspectiva local específica. Estou falando de memória coletiva – a memória da terra e da água. Embora seja possível ver identidade no meu trabalho, minha própria identidade é transitória. Há um movimento de artistas que abordam a identidade através de uma perspectiva mais global. Claro, estamos falando de território e terra e pertencimento e identidade, mas há muitas maneiras diferentes de abordar isso que não necessariamente precisam colocar seu trabalho em uma caixa específica.
Você ingressou na A Gentil Carioca durante o verão e fará uma exposição individual com a galeria em São Paulo no ano que vem. Enquanto isso, seus trabalhos estão expostos no estande da Art Basel em Miami Beach. O que você está mostrando na feira?
Em Miami, existem algumas esculturas e desenhos recentes de uma série chamada The Poison (2023) – resultado de pesquisas sobre cura e desintoxicação, e o processo de erosão que fiz em preparação para The Topography of Memory. É sobre o processo de limpeza e rejuvenescimento e é uma extensão de uma série que apresentei na minha exposição individual Supernova no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 2021-22. Em São Paulo, no ano que vem, haverá desenhos e esculturas que incorporam espinhos que colecionei e vários outros materiais.
Você iniciou recentemente uma residência de dois anos na Rijksakademie em Amsterdã. No que você tem trabalhado?
Tenho pensado em adaptabilidade e pesquisado como os animais se adaptam a determinados ambientes. Quando criança, quando morava no Mato Grosso, que fica perto do Pará e da floresta amazônica, tínhamos ratos em casa. Uma noite ouvi um barulho, acordei e acendi a luz. Eu vi um animal híbrido – meio rato, meio morcego. Chamei de rato-cego. Perguntei às pessoas da vizinhança sobre esse animal e as pessoas me disseram que ele existia. O rato se adaptou para criar asas e voar para longe. Tenho refletido sobre esta referência à adaptação e como também estou mudando aspectos de mim mesmo para me adaptar a uma nova realidade em outro continente.
• Sallisa Rosa: Topografia da Memóriaaté 17 de dezembro, Collins Park Rotunda, Miami Beach